A Decepção do Sistema De Dans No Karatê
- Rilton Rodrigues
- 28 de set. de 2018
- 8 min de leitura
Atualizado: 2 de out. de 2018

Karatecas 10º Dan no Brasil?
Crianças de 8 anos faixa preta?
Receber graduação sem prestar exames?
De fato já faz um bom tempo que a faixa preta perdeu o seu valor, bem como o sistema de Dans no Karatê, não só no Brasil, mas em boa parte do mundo.
O nível dos graduados estão cada vez menores, as exigências minimas cada vez mais são esquecidas, a politica e o comercio do karatê estão cada vez maiores. Porque será que isto está acontecendo?
Convido você a analisar e repensar sobre as graduações no karatê-do.
1. Os Dans no karatê do Brasil e no mundo
Desde que eu iniciei no karatê em 1985, há 33 anos atras, eu fui exposto ao sistema de graduação da época e fui acompanhando a evolução (Ou Involução) nestes 33 anos.
Na época, final da década 70 e 80, o sistema de graduação das artes marciais, principalmente do karatê no Brasil, era muito mais rígido do que existe hoje.
O Kumitê era muito mais forte, os treinos mais pesados, a exigência mais rigorosa.
Quem treinou o karatê nesta época sabe do que estou falando.
Nunca foi tão fácil conseguir graduações como é hoje.
Claro que fazendo um panorama histórico, mesmo no Japão e Okinawa, lugares berço da origem e sistematização do karatê-do, houveram alguns abusos em relação a praticantes jovens que acumularam graduações muito rapidamente.

Até um caso em Okinawa, descrito no livro "Karatê de Okinawa" do autor Christopher M. Clarke , onde diz que um praticante de 34 anos foi graduado como 10º Dan.
Isso ainda no inicio do sistema de Dans no karatê quando foi copiado do Judô, criado por Jigoro Kano.
Onde o mestre Gichin Funakoshi foi o primeiro a adotar este sistema e logo depois outros karatecas como Kenwa Mabuni do Shito Ryu, Chojun Miyagi do Goju Ryu, também adotaram, assim como muitos outros estilos.
Então no karatê, desde a década de 30, 40, já podíamos ver um inicio de abusos de grandes graduações para alguns karatecas.
Um outro caso no Shotokan foi o do grande karateca Hirokazu Kanazawa que em 10 anos de pratica graduou-se 5º Dan no karatê.
Ele foi um fenômeno no karatê-do de sua época, primeiro campeão japonês após a morte do Sensei Funakoshi, no primeiro campeonato Japonês de karatê da JKA ou NKK, mas a graduação dele foi muito rápida!
( Em 10 anos de treino cheguei a faixa marrom! Sem querer me comparar com o grande Kanazawa )
Quando fui graduado Shodan (Faixa preta 1º Dan) pelo Sensei Telvane Pires de Farias, onde permaneci como aluno até o 5º Dan, ele já me alertava sobre as graduações e falava sobre as influencias politicas e falta de critério ( falta de exigências ) para as graduações de Dans.
Foi ai que comecei a enxergar mais a fundo este problema!
2. A Politica e sua influencia nas graduações de Dans
Assim, comecei a perceber o como parte do karatê havia se transformado em politica, com uma visão comercial.
Onde pessoas passavam a ganhar graduações, por criar eventos, campeonatos, sem prestar de fato exames práticos, conhecimentos teóricos ou evolução prática.
Onde até mesmo as carências de tempo de cada Dan poderia ser abreviada dependendo do seu "Trabalho" no karatê.
Isso resultou em grande perigo, principalmente depois dos anos 2000, quando algumas federações passaram a facilitar as graduações de professores que conseguiam federar um bom numero de alunos Shodan ( faixa preta 1º dan ).
Assim, muitos karatecas passaram a receber graduações, sem "suar o kimono" ou demonstrar grande conhecimento sobre a arte, tornando o karatê em uma "Maquina" de graduações.
Tenho aluno que antes de treinar comigo, chegou a faixa verde em menos de 2 anos de treino e aos 9 anos de idade.
Hoje, na maioria das federações, não é exigido exames para graduações superiores ao 5 Dan.
Graduando-se a partir então por indicações politicas.
Isso faz com que o nível de conhecimento sobre o karatê-do seja limitado, onde muitas vezes é negligenciado os estudos mais profundos sobre a filosofia, historia, significados dos Kihons, dos Katas, dos Bunkais, do Kumite.
E por fim transformando o karatê apenas em um esporte, limitado a marcações de pontos, tanto no Kata quanto no Kumite, fazendo com que mais de 95% das técnicas e golpes do karatê sejam negligenciadas, pois são proibidos em competições por serem "perigosos".
Muitos não sabem nem o básico de uma defesa-pessoal, que foi o motivo do surgimento da arte em Okinawa.
Poucos karatecas procuram entender a fundo o Bunkai real de um Kata, em grande maioria são Bunkais fantasiosos, inverossímil, criados para ser um espetáculo e ganhar competições.
Poucos são os que treinam calejamento, makiwara, fortalecimento do corpo.
Poucos treinam quedas, projeções, situações de agarramentos.
Poucos treinam ataques em áreas vitais como pescoço, olhos, nariz, órgãos genitais.
Poucos treinam chaves, imobilizações, Tuite.
E assim aos poucos o conhecimento do karatê-do tem se tornado cada vez mais superficial.
A importância do exame e os 3 pilares da graduação:

Quando vejo o nível dos exames do Kendô (O caminho da espada japonesa), em vários documentários e revistas que leio, fico me perguntando como seria se o karatê tivesse o mesmo grau de exigência dos praticantes do Kendô.
Uma pessoa para receber a sua graduação, realmente tem que dominar a arte da espada, de uma maneira que seja inquestionável.
É necessário prestar exame prático até o 8 dan!
E é considerado o exame mais difícil das artes marciais, onde muitos artistas e mestres são reprovados constantemente até chegar no nível da exigência.
Eu me pergunto isso porque quando vemos a maioria das federações brasileiras de karatê, não há compromisso com o Dan.
Em muitas delas o Dan tornou-se moeda de troca, algo a ser barganhado.
Depois de 2006, passei a pesquisar mais a fundo o que havia no karatê, além do que é mostrado por estas federações, trabalhos como o do Patrick McCarthy, Iain Abernethy, Jesse Enkamp e muitos outros que realmente pesquisavam o karatê a fundo.
E hoje acredito que a graduação, para ser merecida e honrada, deve passar por no minimo Três Pilares:
1º- Pilar do Tempo:
Este primeiro pilar é dividido em duas partes e explicarei cada uma:
A primeira parte é o tempo dedicado a Pratica da arte.
É comum ver no karatê, karatecas que não treinam.
Pessoas que adquiriram uma certa graduação e simplesmente param de treinar, tornam-se "Técnicos", onde passam a ensinar o karatê para outras pessoas e não procuram mais desenvolver-se como karateca.
Acredito que todo karateca deve treinar no minimo 3 horas por semana, seja ele um faixa branca ou um 10º Dan.
( Ainda estou sendo muito flexível, já que grandes karatecas como Motobu Choki e Anko Itosu dizem que o karateca tem que treinar no minimo três vezes por dia, todos os dias.)
A arte tem que ser praticada.
Verdadeiros karatecas morrem treinando, mesmo com idades muito avançada ou com condições físicas limitadas.
Tenho orgulho de dizer que treino todos os dias, em sua maioria, mais de uma vez.
E é importante dizer que dar aula não é treinar.
A segunda parte é a carência da graduação.
O tempo minimo exigido de permanência na graduação deve ser respeitada!
Acredito que para um faixa branca tornar-se um faixa preta seja necessário no minimo 5 anos de treino ( Onde não conta os anos que ele estiver afastado )
Para crianças essa carência pode ser aumentada, para 7 ou 8 anos, podendo tornar-se Shodan a partir dos 17 anos.
Isso vale para todas as graduações, tanto de Kyu quanto de Dans.
2º- Pilar da Competência e habilidades do praticante:
Até o primeiro Kyu (Faixa Marrom) o karateca tem que ter domínio de toda a programação do seu sistema de karatê.
Ele deve saber o "Básico" bem feito, ter conhecimento dos princípios da arte e domínio básico das técnicas.
Após o primeiro Dan ele deve aprimorar a execução das técnicas, dos Katas, dos Bunkais.
Conhecer Katas mais avançados.
Estudar cada vez mais a fundo os Bunkais, as estratégias de luta, defesa pessoal.
Passar a treinar cada vez menos o Shiai Kumite e Cada vez mais o Jyu Kumite com ou sem proteções.
Para explorar a fundo a eficiência das técnicas do karatê que são proibidas no Shiai Kumite.
O karatê é um verdadeiro mundo a ser explorado, poderia ter 100 Dans e ainda assim haveria estudos suficientes para se apresentar exames teóricos e práticos em cada um deles.
3º- Domínio da parte histórica / filosófica:
Talvez o grande legado do Gichin Funakoshi não tenha sido o karatê em si, mas toda a filosofia e sentido que ele deu a arte.
Onde encontramos aspectos profundos da conduta do ser humano em seus aspectos Morais e Éticos.

Começando com o Dojo Kun que deve ser ensinado desde a faixa branca.
A importância do Respeito, da justiça, da verdade.
A importância do esforço, da força de vontade, do caráter.
A importância de controlar suas emoções, de evitar o descontrole.
São aspectos extremamente importantes para o ser humano.
Principalmente aqueles que estão estudando algo que lhe dar um poder sobre outras pessoas, como é o Karatê-dô.
A etiqueta do dojô, respeitar os mais graduados, lembrar daqueles que já faleceram mas nos ajudaram de alguma maneira.
O Niju Kun para ser ensinado a karatecas com graduações mais adiantadas como faixa verde, roxa.
E também todo o estudo da historia do karatê, conhecer de onde viemos.
É preciso haver por parte dos karatecas uma maior valorização, alem da parte esportiva, mas da raiz do karatê-do, da parte histórica.
Iniciando pelos livros do Patrick McCarthy (Principalmente o livro Bubishi), talvez o maior historiador de karatê do mundo, tendo morado no Japão, Okinawa, China.
O próprio Christopher M. Clarke, que foi citado acima.
É preciso investigações da origem dos Katas, o sentido do Bunkai.
Você pode encontra-los em alguns livros que já citei no artigo Os 10 melhores livros de karatê-do, onde você pode se basear para começar a estudar.
O karatê é um caminho para toda vida, ele não acaba na Faixa Preta!
O Mito da Faixa Preta

Infelizmente por uma questão de distancia da Europa e do próprio Japão, os karatecas que vieram para o brasil, como diz o grande Karateca do Rio grande do Norte, Juarez Alvez (Jacaré), foram Karatecas Jovens.
O próprio Yoshizo Machida chegou no Brasil no 2º Dan Shotokan.
O Sensei Juichi Sagara chegou no Brasil sendo 4º Dan Shotokan.
Assim como outros karatecas japoneses que chegaram no Brasil, apesar de serem bons karatecas, eles ainda eram jovens e (comparado com karatecas que foram para Europa e Japão) "Inexperientes".
E esses jovens eram vistos como grandes mestres, por serem os únicos no Brasil.
Por conta disto a faixa preta virou um mito, como se o karateca se tornasse um "Mestre do karatê" por ser faixa preta e muitos pensam que a faixa preta faz com que as pessoas tornem-se extremamente perigosas, com grandes poderes de luta.
Mesmo que o faixa preta, primeiro Dan seja apenas um aluno.
No Japão o primeiro Dan ainda é um aluno como os faixas coloridas, apenas a partir do 3º Dan torna-se instrutor-adjunto do Sensei.
Com tudo o que foi falado aqui no artigo, com essa facilidade de se tornar um faixa preta e da obtenção de Dans.
Cada vez mais o sentido desta faixa, que seria o simbolo da sabedoria na arte, está se tornado, no geral, algo banal e sem credibilidade.
Conclusão
Apesar de tudo isso que vimos, ainda acredito no sistema de Dans, mas é preciso ser mais valorizado.
E isso tem que começar da gente, nós temos que honrar nossas graduações.
Temos que respeitar a graduação.
Temos que encher nosso espirito de esforço para conquista-la.
Temos que ter fidelidade com a razão e não aceitar graduação sem merece-la.
Temos que construir nosso caráter acima da politica.
Temos que conter nossas emoções e ter paciência para conquistar o tempo, a habilidade e o conhecimento necessário para adquirir a graduação.
Assim, simples como o Dojo Kun, nós podemos recuperar o valor e o respeito do sistema de Dans.
Oss! Ps: O que você acha do sistema de Dans no Brasil e no mundo?
O que você achou de mais interessante neste artigo?
Sempre gosto de ler suas opiniões, acredito que todos juntos podemos evoluir debatendo ideias!
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Fantastica exposição Sensei, penso da mesma forma e nunca encontrei alguém que pensasse igual a mim, sou Marrom ainda mas tenho mais de 30 anos de experiências em outras artes e sempre senti isso. Parabéns pelo trabalho e pelo belíssimo conteúdo do seu site, ganhou mais um fan. Oss
Oss! Concordo com o seu texto em tudo, mas o pior que isto não acontece só no Karatê, vou falar pelo que tenho vislumbrado aqui no Brasil, o comercio de graduação está ocorrendo em muitas artes, márcias e ou até em esportes de lutas ex: "existe faixa preta de MMA", no jiu-jitsu tem graduação por presença na academia, vc paga a mensalidade com x meses vc recebe a primeira graduação, mesmo sem ter treinado todo o tempo, vi caso de faixa azul chegar a marrom em 2 ano, tem até curso EAD, uma outra coisa que acho errado mas a lei permite é a criação de ns federações e ou confederações,basta vc ter um cnpj. conheço casos aqui no R…
Oss Leandro! Como disse nao sao todas as federações que não sao exigentes, da mesma maneira que algumas São falhas outras não. E fico feliz com isso!
Grande abraço! Oss!
Olá Sensei, excelente texto, não tenho vivência no Karatê a tanto tempo como o senhor, comecei a treinar apenas em 2007, e onde treino tem maior foco em competições (infelizmente), mas realmente acredito que existe uma desvalorização dos princípios do Karatê atualmente.
Sobre o sistema de graduação, pelo menos na minha federação (Federação Catarinense de Karatê-FCK que é filiada a Confederação Brasileira de Karatê-CBK) os exames de graduação para kyu obedecem uma carência mínima de tempo para ser realizado, que varia de acordo com cada kyu, e o exame obedece uma série de critérios a serem avaliados (kihon, kata, bunkai, kumite, etc.), o mesmo acontece nos exames de Dan que são realizados pela CBK, cada Dan tem um tempo mínimo…